todos os anos nesta altura...
Não venho de uma família rica. Não escrevo isto para ganhar um concurso ou para votarem em mim. Não. É verdade. A minha mãe casou-se cedo e eu nasci numa altura má. Ela tinha dezoito anos e sabem como funcionavam as coisas, “filho significa casar”. Depois da minha pequena pessoa, chegaram mais dois. As dificuldades apareceram mas nunca faltou comida. Andei vestida com roupa dada por pessoas que tinham a mais. Deixei o infantário mais cedo que os meus amigos. Usei a mesma mochila durante quatro anos. Fui ajudada pelo apoio social da escola. Percebi bem cedo que a vida não é fácil e o dinheiro não cai do céu. Talvez por isso consiga dar valor a tudo o que consegui, a tudo o que me dão. Sei reconhecer humildade nos pequenos detalhes, em pequenas frases e distinguir a farsa da verdade. Reconheço que não sou melhor que as pessoas que nunca passaram por nada do género mas estou sem dúvida mais preparada para qualquer obstáculo. E quando uma situação me diz “não” , não aceito por mais que a tendência seja “ já estou habituada”. Sei que as pessoas com a sorte de vida vão chorar quando acontecer um pequeno acidente enquanto eu vou encolher os ombros e pensar “para a próxima consigo”.
Hoje é dia das crianças andarem de porta em porta a pedir doces ou travessuras. Recordo este dia com alguma tristeza e saudade. A primeira vez que andei a brincar ao dia das bruxas foi depois do meu pai falecer. Recordo-me dos olhares de pena, da quantidade de doces que recebi naquele dia. “Coitadinha que ficou sem pai muito cedo”. Nunca mais quero sentir o que senti, obrigada. Tenho a coragem suficiente de baixar a cabeça e pedir ajuda quando preciso e quando não vejo outra solução, caso contrário prefiro calar-me e resolver tudo sozinha só para não voltar a sentir o que este dia me costuma relembrar todos os anos.