O meu nome mudou-lhe as ideias
Reparou em mim eu devia ter uns oito anos, quase nove. Acabadinha de chegar ao seu Mundo. Ao prédio onde morava, e continua a morar. Prometeu não ser meu amigo mas logo mudou de opinião quando ouviu o meu nome. Não por ser bonito, mas porque quis simplesmente mudar de ideia. Estendeu-me a mão e mostrou-me a beleza. O sossego de caminhar pela rua à noite. Os filmes de Hollywood. Os livros fui eu a mostrar. Esquecendo-me deles em sua casa. As canções antigas, com imagens a preto e branco na minha cabeça. Teve sempre a mania de subir os degraus do prédio a cantar, de forma a testar os graves. Tantas vezes nos deitámos num telhado lado a lado, a falar na vida. Com aquela idade já falávamos na vida. Bebíamos café para ser mais adulto. Numa cafeteira. Feia e velha. Eu levava as bolachas. Maria. Moles. Sujávamos a roupa e riamos juntos. Tinha coragem para responder às minhas perguntas difíceis. E para fazer perguntas mais difíceis ainda. Acreditas em Deus? Às vezes ainda o oiço a perguntar-me sobre Deus. Era sempre o tema que nos fazia discutir. A religião. Para além dos momentos em cima de telhados, tínhamos a mania de descobrir casas velhas ainda em obras, numa tentativa de sermos actores e fingir um futuro. O marido e a mulher. Sempre gostou do meu ar de menina. E costuma dizer-me quando uso tranças ou o cabelo a cair nas costas. Sempre gostei do seu ar de adulto. O ar sério enquanto agarra no cigarro, ou a barba a crescer. Gostamos de gostar um do outro. Ai de mim, se ele tivesse levado a avante a ideia de não ser meu amigo, quando ouviu o meu nome. Não um nome bonito. Apenas um nome. Mesmo que fosse outro qualquer.