Fica comigo só mais uma noite
Se o meu pai estivesse aqui não me conhecia. Ia perguntar pela miuda que não tinha medo e sabia sempre o que não queria. Ia dizer-me para me sentar nas escadas e fazer força para me lembrar de como era. Eu não ia querer pensar. Simplesmente ia abraçá-lo com toda a força do Mundo e pedir-lhe para ficar comigo mais uma noite. Só mais uma. Que nunca mais o queria perder para os outros. Se o meu pai estivesse aqui, mas não está. Se ele me viesse visitar ia agarrar-me na cara, afastando o meu cabelo, olhava-me nos olhos procurando a sua Cláudia. Eu ia dizer-lhe baixinho, "aqui". E mais uma vez ia gritar-lhe com as lágrimas em todo o meu rosto que não se fosse embora, que ficasse só mais uma noite comigo. Que preciso dele. Preciso e ninguém imagina porquê. O seu amor vale mais que todos os amores que perco a escrever. Por não ter o seu amor, perco-me a procurar amores. Se ele ficasse mais uma noite não teria de chorar por ninguém. Muito menos ia precisar de mais alguém. Estupidos amores. Estupidos. Que não sabem o que é isto de perder a pessoa que mais se ama. Porque não perdem. Se o meu pai me abraçasse, ia perceber que a sua miuda ainda aqui está. "tu costumavas enfrentar-me, e agora?". Verdade, ele dizia não, gritava-lhe um sim. Queria controlar-me e não conseguia. Por isso deixo que agora me controlem, deixo que me digam que não, fechando a porta mesmo na minha cara. Com medo. Se ele me ligasse para o telemóvel, ia perguntar-me o que estava a fazer. "estou à tua espera". Mas nem sequer sabe o meu numero. Eu ia falar-lhe do meu sonho de escrever para todos, sem me calar. Gesticulando. Ele não ia dar-me os parabens mas ia estar ali. Estar ali, é estar vivo. Mais que um telefonema, seria só a coisa que mais queria ter. Uma noite. Nem peço mais. Para lhe perguntar se pensou em mim naquele ultimo minuto de vida. Se sabe que ganhei medos, vazios e muito tempo comigo. Que não consigo partilhar com ninguém a sua falta. Só mais uma noite. Se o meu pai viesse ver-me, ia dizer que não tinha tido culpa. Eu ia culpá-lo e depois desculpava tudo. Até o facto de ser amargo comigo às vezes. De nunca ter dito que me amava, o que tanto procuro que os outros digam. Que amem de verdade, porque ele não teve muito tempo para isso. Sei que ia ficar durante dez minutos sem olhá-lo, com medo de não dizer tudo o que queria. Acabando por não dizer nada. "Cláudia, fala!". Não consigo, sou como tu. Aprendi a falar para dentro, diria. "Cláudia, não tens nada para dizer?". Tenho, "odeio-te por me teres deixado naquela noite de Novembro, aflita por amor que não vejo em ninguém".
Perdi a miuda do meu pai na noite que ele se foi embora. Se ele não tivesse partido ia chamar-me filha pela primeira vez e diria. "Filha, tens de enfrentar. Se soubeste viver sem mim, saberás viver sem o resto".
Quem disse que sei viver sem ti?